AUTISMO
"É hoje geralmente aceite que as perturbações incluídas no espectro do autismo, Perturbações Globais do Desenvolvimento nos sistemas de classificação correntes internacionais, são perturbações neuropsiquiátricas que apresentam uma grande variedade de expressões clínicas e resultam de disfunções do desenvolvimento do sistema nervoso central multifactoriais " (Descrição do Autismo, Autism-Europe, 2000).
O autismo é uma perturbação global do desenvolvimento infantil que se prolonga por toda a vida e evolui com a idade. O bebé com autismo apresenta determinadas características diferentes dos outros bebés da sua idade. Pode mostrar indiferença pelas pessoas e pelo ambiente, pode ter medo de objectos. Por vezes tem problemas de alimentação e de sono. Pode chorar muito sem razão aparente ou, pelo contrário, pode nunca chorar.
Quando começa a gatinhar pode fazer movimentos repetitivos (bater palmas, rodar objectos, mover a cabeça de um lado para o outro). Ao brincar, não utiliza o jogo social nem o jogo de faz de conta. Ou seja, não interage com os outros, pode não dar resposta aos desafios ou às brincadeiras que lhe fazem. Não utiliza os brinquedos na sua função própria. Um carro pode ser um instrumento de arremesso e não um carro para rodar no caminho. Uma boneca pode servir para desmanchar e partir mas não para embalar.
Dos 2 aos 5 anos de idade o comportamento autista tende a tornar-se mais óbvio. A criança não fala ou ao falar, utiliza a ecolália, repetição involuntária de frases ou palavras, ou inverte os pronomes. Há crianças que falam correctamente mas não utilizam a linguagem na sua função comunicativa, continuando a mostrar problemas na interacção social e nos interesses.
Os adolescentes juntam às características do autismo os problemas da adolescência. Podem melhorar as relações sociais e o comportamento ou, pelo contrário, podem voltar a fazer birras, mostrar auto-agressividade ou agressividade para com as outras pessoas.
Os adultos com autismo tendem a ficar mais estáveis se são mais competentes. Pelo contrário, os menos competentes, com QI baixo, continuam a mostrar características de autismo e não conseguem viver com independência.
As pessoas idosas com autismo têm os problemas de saúde das pessoas idosas acrescidos das dificuldades de os comunicarem. Os problemas de comportamento podem por isso sofrer um agravamento. Além disso, perdem muitas vezes o gosto pelo exercício físico e têm menor motivação para praticar desporto, o que não contribui para melhorar a sua qualidade de vida. Por outro lado, o seu comportamento pode tender a estabilizar-se com a idade.
Características do autismo
- Um profundo afastamento;
- Um desejo pela conservação da semelhança;
- Uma boa capacidade de memorização mecânica;
- Expressão inteligente e ausente;
- Mutismo ou linguagem sem intenção comunicativa efectiva;
- Hipersensibilidade aos estímulos;
- Relação estranha e obsessiva com objectos.
Mais tarde, Leo Kanner, pedopsiquiatra, a partir de posteriores estudos, mencionou a ecolália, "fala de papagaio", linguagem extremamente literal, uso estranho da negativa, inversão pronominal e outras perturbações da linguagem.
Um ano depois de Kanner ter publicado o seu artigo, em 1944, um pediatra austríaco Hans Asperger, publicava um artigo, em alemão no qual descrevia um grupo de crianças com características muito semelhantes às de Kanner, chamando igualmente "Autismo" ao síndrome.
Embora as características dos indivíduos fossem semelhantes, havia um grupo reconhecido por Asperger com picos de inteligência e linguagem desenvolvida. Daí, hoje as crianças com essas características serem diagnosticadas como tendo o síndrome de Asperger.
O síndrome de Asperger tem seis critérios de diagnóstico:
1. Linguagem correcta mas pedante, estereotipada;
2. Comunicação não-verbal - voz monótona, pouca expressão facial, gestos inadequados;
3. Interacção social não recíproca, com falta de empatia;
4. Resistência à mudança - Preferência por actividades repetitivas;
5. Coordenação motora - postura incorrecta, movimentos desastrados, por vezes estereotipias;
6. Capacidades e interesses - Boa memória mecânica e interesses especiais circunscritos.
Apesar das competências dos indivíduos com síndroma de Asperger, eles têm igualmente grandes problemas com a interacção social recíproca, com a comunicação funcional, embora falem com propriedade e com o comportamento e rigidez de pensamento.
Hoje o síndrome de Asperger tem uma classificação separada do autismo.
A Tríade de Perturbações no autismo
As pessoas com autismo têm três grandes grupos de perturbações:
- A social;
- Linguagem e comunicação;
- Pensamento e comportamento.
A estes grupos chama-se a tríade de perturbações no autismo.
Domínio social: o desenvolvimento social é perturbado, diferente dos padrões habituais, especialmente o desenvolvimento interpessoal. A criança com autismo pode isolar-se mas pode também interagir de forma estranha, fora dos padrões habituais.
Domínio da linguagem e comunicação: a comunicação, tanto verbal como não-verbal é deficiente e desviada doa padrões habituais. A linguagem pode ter desvios semânticos e pragmáticos. Muitas pessoas com autismo (estima-se que cerca de 50%) não desenvolvem linguagem durante toda a vida.
Domínio do pensamento e do comportamento: rigidez do pensamento e do comportamento, fraca imaginação social. Comportamentos ritualistas e obsessivos, dependência em rotinas, atraso intelectual e ausência de jogo imaginativo.
Causas do autismo
Uma das primeiras perguntas que os pais ou os profissionais fazem é:
Quais são as causas do autismo?
Nos anos 40 e 50 acreditava-se que a causa do autismo residia nos problemas de interacção da criança com os pais. Várias teorias sem base científica e de inspiração psicanalítica culpabilizavam os pais, em especial as mães, por não saberem dar respostas afectivas aos seus filhos. Esse período foi dramático e levou algumas mães a tratamento psiquiátrico e em extremo, ao suicídio.
A partir dos anos 60, a investigação científica, baseada sobretudo em estudos de casos de gémeos e nas doenças genéticas associadas ao autismo (X Frágil, esclerose tuberosa, fenilcetonúria, neurofibromatose, diversas anomalias cromossómicas) mostrou a existência de um factor genético multifactorial e de diversas causas orgânicas relacionadas com a sua origem. Estas causas são diversas e reflectem a diversidade das pessoas com autismo.
Curiosidades
- Parece haver genes candidatos, ou seja uma predisposição para o autismo o que explica a incidência de casos de autismo nos filhos de um mesmo casal. É possível existirem factores hereditários com uma contribuição genética complexa e multidimensional.
- Alguns factores pré natais (ex. rubéola materna, hipertiroidismo) e pré natais (ex. prematuridade, baixo peso ao nascer, infecções graves neonatais, traumatismo de parto) podem ter grande influência no aparecimento das perturbações do espectro do autismo.
- Há uma grande incidência de epilepsia na população autista (26 a 47%) enquanto na população em geral a incidência é de cerca de 0,5%.
- Há também estudos post mortem em curso sobre as anomalias nas estruturas (cerebelo, hipocampus, amígdala) e funções cerebrais das pessoas com autismo.
Há contudo, neste momento uma conclusão importante que reúne o consenso da comunidade científica:
Não há ligação causal entre atitudes e acções dos pais e o aparecimento das perturbações do espectro autista. As pessoas com autismo podem nascer em qualquer país ou cultura e o autismo é independente da raça, da classe social ou da educação parental.
Prevalência do autismo
Há mais rapazes do que raparigas com autismo. A sua proporção é de 4 a 5 para 1.
Haverá presentemente mais pessoas autistas do que há 20 anos?
Estudos recentes relatam grande aumento de incidência.
De acordo com estudos feitos por Eric Fombonne no Canadá (2003):
Para uma população de 10.000 pessoas há 10 pessoas com autismo e 2,5 com síndroma de Asperger. Na mesma população há 30 pessoas com perturbações globais do desenvolvimento no quadro do autismo. Estudos desenvolvidos em Portugal (Oliveira, G et al., 2006) apontam para números semelhantes.